segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Porque a vida é muito curta para viver sem se jogar.

Cada tijolo que tinha, da base ao topo, não me fez ficar. Eles foram empilhados com todo o meu cuidado, que diminuía milimetricamente o risco da queda. Foram escolhidos, um a um, para combinarem entre si e espantar qualquer desconforto. Cada um encaixado até o final, não me convenceu a permanecer.

As gotas de suor que investi e os eventuais pingos de cansaço também não me fizeram ficar. Trabalhei arduamente na primeira construção da minha vida – ergui paredes sólidas, tetos protetores e janelas aconchegantes. Mas mesmo assim, não quis ficar.

Eu não quis permanecer, subi correndo as escadas daquela construção e, sem fôlego, cheguei ao topo, à cobertura, onde me recebia uma vista singular da cidade. Eu tinha escolhido aquela vista, aquelas cores, aqueles ângulos. Respirei fundo e confiei que, agora sim, eu ia querer ficar. Só que eu não quis.

Olhei lá de cima para os quatro cantos da cidade, procurando qualquer motivo que me acalmasse e me convencesse de que eu deveria ficar ali. Tanto tempo investido, tantos sonhos. É durante os vinte que a gente começa a construir os abrigos que vão nos segurar pelos próximos vinte. Só que, depois da alegoria pronta, eu percebi que não cabia ali. Era tudo grande demais para meu medo. Era tudo pequeno demais para meu desejo.

Aí eu fechei os olhos e senti o vento bater. Lá de cima daquela construção que eu fiz, descobri que não tinha lugar para mim. Ainda de olhos fechados, me aproximei do abismo. Aquele abismo que tanto já havia me tentado. O mesmo abismo que sempre esteve presente para me salvar. Eu me aproximei da beira, abri os braços e me joguei.

Sem me preocupar em levar qualquer lembrança – um tijolinho, uma fotografia, uma lata de tinta. Eu só juntei os meus próprios cacos e me lancei no desconhecido. No vento que me embalou e me cuidou. E me levou para construções menos solitárias e melhor dimensionadas para os meus um e sessenta. Eu não caí. Planei e, com um sorriso discreto, avistei a minha antiga construção ficar menor a cada metro que eu percorria.

E não senti a queda. Porque a vida é muito curta para viver sem se jogar. 

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