quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Deixa eu ver se explico

É como ano novo todo dia. Contagem regressiva e frio na barriga - que tudo se realize no ano que vai nascer. E olha que era julho.
É também como chuva de verão às cinco da tarde, pós praia, cheiro de asfalto molhado ou todos esses outros clichês: vento na cara, mergulho no mar, rir de chorar, abraço apertado.
É gostoso que nem cheiro de alho frito, que nem estourar plástico bolha, comer massa de bolo cru, massagem no pé, caneta bic novinha, perder dois quilos.
E é inacreditável. Como voltar da Barra sem trânsito, ou conseguir ingressos para o show do Arctic Monkeys, ser atendido pela NET no primeiro telefonema, achar cadeira na praia num domingo, achar cinquenta reais no bolso da calça. Como achar a pessoa certa na hora certa.

segunda-feira, 6 de outubro de 2014

Porque a vida é muito curta para viver sem se jogar.

Cada tijolo que tinha, da base ao topo, não me fez ficar. Eles foram empilhados com todo o meu cuidado, que diminuía milimetricamente o risco da queda. Foram escolhidos, um a um, para combinarem entre si e espantar qualquer desconforto. Cada um encaixado até o final, não me convenceu a permanecer.

As gotas de suor que investi e os eventuais pingos de cansaço também não me fizeram ficar. Trabalhei arduamente na primeira construção da minha vida – ergui paredes sólidas, tetos protetores e janelas aconchegantes. Mas mesmo assim, não quis ficar.

Eu não quis permanecer, subi correndo as escadas daquela construção e, sem fôlego, cheguei ao topo, à cobertura, onde me recebia uma vista singular da cidade. Eu tinha escolhido aquela vista, aquelas cores, aqueles ângulos. Respirei fundo e confiei que, agora sim, eu ia querer ficar. Só que eu não quis.

Olhei lá de cima para os quatro cantos da cidade, procurando qualquer motivo que me acalmasse e me convencesse de que eu deveria ficar ali. Tanto tempo investido, tantos sonhos. É durante os vinte que a gente começa a construir os abrigos que vão nos segurar pelos próximos vinte. Só que, depois da alegoria pronta, eu percebi que não cabia ali. Era tudo grande demais para meu medo. Era tudo pequeno demais para meu desejo.

Aí eu fechei os olhos e senti o vento bater. Lá de cima daquela construção que eu fiz, descobri que não tinha lugar para mim. Ainda de olhos fechados, me aproximei do abismo. Aquele abismo que tanto já havia me tentado. O mesmo abismo que sempre esteve presente para me salvar. Eu me aproximei da beira, abri os braços e me joguei.

Sem me preocupar em levar qualquer lembrança – um tijolinho, uma fotografia, uma lata de tinta. Eu só juntei os meus próprios cacos e me lancei no desconhecido. No vento que me embalou e me cuidou. E me levou para construções menos solitárias e melhor dimensionadas para os meus um e sessenta. Eu não caí. Planei e, com um sorriso discreto, avistei a minha antiga construção ficar menor a cada metro que eu percorria.

E não senti a queda. Porque a vida é muito curta para viver sem se jogar. 

quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Quarta à tarde

Eu fico com ele na cabeça, quando ele não está nos meus olhos. E fico pensando que por muito pouco não perdi a oportunidade de esbarrar com essa história, na calçada suja de Botafogo, melhor amigo da minha melhor amiga: oi, prazer, tudo bem?

Porque a vida acontece como um colar de miçangas, só que ao invés de pedrinhas brilhantes, são segundos que compõem os coloridos. Cada segundo conta, e, todos juntos, formam o minuto exato que cruzei meus olhos nos olhos dele, antes de atravessar a rua. Formam as horas em que embromamos deitados na cama dele, eu não me permitindo ficar – ele não me permitindo sair. E por muito pouco, eu quase perco esses segundos que fazem parte de novos colares e novas pulseiras, que combinam com o relógio Casio azul celeste que ele me deu.

E aí eu gosto do jeito dele, que é tão dele, que vira meu, em frases que me aproprio – gostei de você. Depois ele copia as minhas caretas e barulhos: shhh shhh shhh – e parece gostar do meu desajeito. E meio que desse jeito, vamos montando o nosso próprio jeito; que tem torta de banana, coca-cola frita, encontros e despedidas.


Eu fico pensando que por pouco eu perdia essas miçangas de minutos que agora constroem as horas dos meus dias, os dias das minhas semanas, que misturam cheiros de protetor solar com cream cracker e gostos de bife com café. Até onde der.

sexta-feira, 29 de agosto de 2014

Alívio

Meus cabelos alisados ficam um arraso de rabo de cavalo. Gosto daquele efeito de quem dormiu de cabelo preso, acordou e saiu sem se olhar no espelho. Mas isso é só efeito. Na verdade, passo infinitos produtos para conseguir deixar tudo marcado e com ar de sujo. Acho os cabelos organizados fio por fio muito previsíveis. E eu, insistindo numa adolescência tardia sem razão aparente, não suporto o previsível.

Fora dos vidros da janela invadem a cidade poucos dezessete graus. E eu estou afim de sair para tomar uma cerveja gelada que vai comprometer minha garganta e minha disposição pelas próximas quarenta e oito horas – essa é a duração da minha ressaca atualmente. There is so no free lunch. Eu gosto de cerveja no inverno também. E eu gosto de cerveja para me embriagar já que o limite entre o beber socialmente e o encher a cara foi mais uma mentira que inventaram para fazer a gente se sentir mal. Aí eles inventam as pílulas e o álcool que nos fazem bem de novo e, imediatamente depois, mal outra vez. Eles inventam de tudo.

Vou à aula de spinning e brinco com minha vida e a velocidade da bicicleta. Pedalo rápido com toda a minha pouca força e me imagino passando por fotografias de um passado nem tão distante, mas tão perdido no tempo. E por sonhos derretidos como cera de vela deformada, que guardam apenas algumas cores. Passo rápido por sentimentos que eu não gosto de olhar e por todos os abismos de onde me atirei a apenas cinco minutos atrás. Depois a velocidade diminui, conforme o insano ser intitulado professor manda a gente aumentar a carga daquela merda. Aí vou devagar e brinco de câmera lenta pelas cenas com tinta fresca de tão recentes e felizes da minha vida. Pisco vagarosamente como uma atriz famosa na tela de cinema e eu não sei de mais nada. Porque esse é o meu estado atual.

Sei de pouquíssimas coisas. Sei que a temperatura deve subir no final de semana. Que cabelos alisados me dão mais auto confiança. Sei que eu não sei que merda é essa toda que eu estou vivendo. Mas sei que só se encontra quem se perde.

E eu, definitivamente, sou o exemplo de quem perdeu. Que alívio.

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Gostei de você.

Ele voa, ele rema, ele cai e naufraga, ele é madrugada, mas é dia e é praia e desbrava. Encara os céus, as cores, encara a minha cabeça, ele se perde quando eu me encontro. Eu peço um pouco, ou um tanto, de cuidado aqui do lado, mas ele é rápido, ele é a jato, ele me olha querendo ouvir e ele fala querendo saber. Ele não sabe de todas as invenções do mundo moderno, ele não pensa em ET, TV, clichê, ele é o que se vê. E é do Rio e também do mundo, ele é seguro e é inseguro, ele é um muro que não se escala, e se cala quando sorri, ele é um porto pra ser feliz, é Mac and Cheese, é assim. Embaralhado e tem bagagem, e páginas em branco que ficam nas costas, prontas para serem escritas com palavras secretas e letras tortas. Ele é mais de trinta, é serigrafia, é onda, vento e pipa. É Otto, moto e Los Sebosos. Ele é interessante, incessante, ele veleja, ele se entrega e me leva, eu não sei, ele também, eu aposto, ele é de proa, eu recosto, ele me embroma, eu sou do chão e ele voa. 

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Por isso não passei protetor solar em você

Eu fui o barco, o mar e o cais. Fui mais.
Bem mais do que poderia ser, fui a areia do castelo, o esmero, a beira d’água, o nó que atava
O barco ao porto. Eu fui o fundo do poço, o gosto do sal, o recosto no sol, eu fui tão só.
Tão nós, aconteci por nós e desaconteci quando não pude mais ser tão cais.
E onda, e sombra, e vento, o sentimento, a insistência, e a carência, tudo junto
Tudo só meu, tão meu que não coube em mim, mas não dividi, você era marinheiro
Capitão, o remo não era seu, o sonho era meu, o castelo que se ergueu dos grãos que eram eu
Até que não deu e sinalizei, a onda bateu e não pude ser bote, nem salva, nem vida
Desbotei minha praia sem saída, exausta, decidida, com o pé na realidade da cidade
Fora da nossa, fora da minha história onde você era marinheiro
Capitão, que assistiu a paisagem aguar e só me deixou três palavras no ar
Que ecoam onde não tem mais vento, nem barco, nem mundo
Palavras que confirmam meu exagero, você me escreveu
‘Obrigado por tudo’.

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

177 emails

Eu preciso de uns violinos.
É isso. Alguns violinos com aqueles acordes que não entendo, mas que me fazem dançar.
Eles tocam ao fundo enquanto eu escrevo a minha tristeza e, assim, tudo fica roxo. Porque a minha tristeza é roxa e laranja.
Eu preciso de uma máquina fotográfica daquelas analógicas.
Com um filme de vinte e quatro poses para eu selecionar melhor as fotos que for tirar.
Porque as máquinas digitais abrem possibilidades demais e deixam baratas e descartáveis as cenas retratadas.
Eu escolheria cada foto para capturar cada sorriso solto e grudá-los na minha parede branca e vazia.
Se possível, queria luvas de lã também.
O inverno congela meus dedos e, eu já percebi, com dedos congelados, não consigo aquecer meu coração.
Existe uma pequena possibilidade de a culpa do frio do coração não ser exatamente dos dedos congelados.
Mas eu não quero pensar nisso.
Coloco esta ponderação no saco das coisas sobre as quais não quero pensar.
Embora eu sinta cada uma delas, porque o saco de coisas sobre as quais não quero sentir parece não fechar mais.
E eu vivo a deliciosa e verdadeira ditadura do sentimento. Sinto tudo. Sinto tanto.

Eu sinto muito.

Preciso de uma dose de conhaque, se não houver luvas.
Eu queria ser salgada o suficiente para ser madura e orgulhosa das rugas que se esboçam no meu rosto e recebem reflexos do copo com uma bebida quente, tipo conhaque.
Mas é mentira. Não tenho esse sal.
Na maioria das vezes, sou desajeitada e mal resolvida, enchendo o rosto de pó para disfarçar os traços fincados que se abrem ao redor da boca e dos olhos.
E eu não bebo bebidas quentes. Só cerveja.
Estou em crise com os artistas do meu Ipod, que só dizem o que querem e não o que quero ouvir.
Abandonei todos eles para dar-lhes uma lição – eu ainda acredito nas lições que os abandonos trazem.
Preciso de baterias aceleradas e eles tocam uma mistura de gemido com guitarra molhada.
E eu sou incapaz de escolher uma música. Gosto que o aleatório me surpreenda.
Gosto também que o ônibus me surpreenda e pegue o caminho errado jogando um vento inesperado na minha cara.
E quando a minha tristeza me surpreende ao passar de roxa para laranja, trazendo as cenas aquecidas da minha saudade.
Deixando descansar as mais geladas, que são roxas.
No laranja, moram os braços, a mensagem que fala com o piloto para não deixar meu avião cair, os pés de micróbio que eu tenho, o filme que pegamos pela metade na TV de madrugada.
No roxo, não. Lá, enfileira-se o coração que bate forte quando ele está chegando. O cheiro que impregna minha respiração e desce até o estômago. Os ombros que me salvaram de tudo.

Faltam os violinos.