Ela chegou,
falou com ele e já se sabia o que aconteceria.
Tem coisas
que se falam em uma sombra de segundo, só com olhar.
A festa
estava cheia de pessoas dançantes, bem do jeito que ela adorava. Ficava em um
mirante, no alto da cidade, com vista para o mar.
Tinham
luzinhas brancas de natal por cima e um DJ que tocava músicas dos anos 80, 90
e, talvez, até músicas que não existiam ainda.
Ela chegou
e comprou umas cervejas para dividir em copos descartáveis entre as amigas.
Encontrou dois ou três conhecidos e entre um passo e outro, mais um gole.
E aí,
louca? Louca? De onde você tirou isso? Ué... sempre foi louca, desde a época da
escola.
- A época
da escola... não nos vemos desde a formatura, talvez? – e ela sorriu com
aqueles sorrisos insinceros de quem quer deixar uma âncora ali para depois.
Afastou-se olhando para ele e depois virou de costas porque estava tocando
Franz Ferdinand naquela hora e a pista se tornou mais atraente do que ele.
Essas eram situações em que ela lidava bem. Jogava um papo filhodaputa e recebia outro em
retorno e ria com os olhos para cima e a boca aberta. O Franz Ferdinand acabou
sua letra sobre garotas não saberem de sentimentos de garotos e ela retornou
para comprar cerveja e não só isso.
Vem aqui,
louca! Para de me chamar assim. Você tem um piercing no nariz? Tenho... eu fiz
em Amsterdam, trouxe de souvenir. Ah... Amsterdam é legal. Você ainda é ator?
Sou. Eu sei, na verdade. Você está na propaganda da Tim. É... você viu, né? Eu
vi, mas não reconheci você. Um dia encontrei com a Mariana e ela me disse que
era você na propaganda da Tim. Mas eu não acreditei porque achava que era um
cara loiro de olho azul naquela propaganda. Loiro de olho azul? Como assim? Eu
sou moreno com olhos pretos! Eu acho que você estava fazendo papel de loiro de
olho azul. Eu também dou aula de teatro. E, sim, pego as alunas e é sempre
ótimo. Você gosta desse piercing?
- Não.
Ela tirou o
ferro do nariz e atirou pelo abismo que estava atrás deles, com vista para o
mar.
Por que
você fez isso? Porque você não gostava do meu piercing, mas agora já estou
arrependida. Você é uma idiota! É... às vezes.
Ela mirou o
copo descartável e levou até a boca para mais um gole estratégico, onde olharia
para ele rindo com os olhos. Engoliu a cerveja e disparou:
Você é
casado? Não e você? Também não...o que deu errado? Tudo e para você?
- Um
brinde.
Se
dirigiram ao quiosque que vendia latão quente, mas não tinha mais cerveja.
Resolveram sair da festa e foram caminhando pelo Aterro, às cinco da manhã.
Eu estou
escrevendo um livro. Ele é uma negação da negação do meu próprio eu. Uma coisa
meio niilista e descrente. Então você é escritor? Sabe, eu também tento ser
escritora, tenho alguns livros começados. Você não vai terminar nenhum? Já leu Nietzsche?
Ele fala bastante dessas negações da vida e do seu livro. Não li. Eu li Schopenhauer,
ele é anterior ao Nietzsche. Eu não vou terminar livro nenhum, eu só quero
outra cerveja. Você não vai terminar porque você é medrosa. Isso. Sou idiota e
medrosa. E perdi meu piercing por causa disso.
- Oi, uma
cerveja, por favor.
Você quer?
Não, são sete da manhã. Eu não ligo. Você é uma idiota e uma medrosa e uma puta
gostosa. Eu sei, mas não vou dar para você. Por protocolo ou porque você não
está afim? As duas coisas. Você é uma filha da puta. Não o tempo todo, mas você
deveria ler Nietzsche. Você está ficando mais interessante, sabia?
Não... você raspa os pelos do peito? Não, e você raspa os da buceta? Eu raspo,
mas não gosto de homem sem pelo. Eu não gosto de mulher sem pelo. Vou deixar
crescer para você, então.
Ele deixou
ela em casa e, na hora convencionada de pedir seu telefone, ele deu um sorriso
e saiu charmoso pelas ruas às oito da manhã.
Ela não
falou nada e, quatorze dias depois, esbarrou com ele de novo.
Olhou rápido,
mas não sabia o que aconteceria dessa vez.
Porque ele
estava acompanhado por alguma outra idiota, medrosa e puta gostosa que chegou
antes.
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