A primeira
dor que senti foi quando minha banda preferida morreu em um acidente de avião.
Geralmente,
a primeira dor que se sente é a morte do cachorro de estimação que
viveu dezoito anos e um dia dormiu e não acordou, causando tristeza, mas também
um certo alívio porque ele já estava sem enxergar e cagando a casa inteira.
Tudo bem. Talvez eu esteja menosprezando quando a primeira dor da vida é de
origem canina, mas eu tenho mesmo essa tendência. De subestimar as coisas dos
outros. Só que nesse caso, eu acho que eu posso. Porque minha primeira dor da
vida era realmente improvável e me pergunto quantas crianças no mundo
experimentaram o desprazer de ver sua banda favorita inteira morrer em um acidente
de avião.
Lembro o sábado
de sol gelado em que ocorreu a tragédia. Acho que minha rejeição a sol gelado
até hoje vem daquela manhã. O responsável por dar a notícia foi o meu pai, que
não morava com a gente e tocou o telefone – você está assistindo televisão?
- Não.
- Ah... O
avião dos Mamonas Assassinas caiu e os cinco integrantes da banda morreram.
Como quase
todas as crianças de onze anos, eu não acreditei. Essa era uma banda que
aparecera havia apenas um ano e eles estavam no auge do sucesso. Cantavam
músicas que falavam de tudo o que era proibido até aquela altura da década de
noventa – suruba, cu, merda. Eles se apresentavam vestidos de Batmans, coelhos,
prisioneiros e o CD deles dormia na minha cama todas as noites. Eles sempre
diziam que tinham medo de avião. Era totalmente impossível que eles morressem
naquele sábado, de acidente de avião.
- Pai, que
brincadeira é essa?
- Não,
filha. É verdade, liga a TV. Todos os Mamonas Assassinas morreram no avião que
caiu.
Rapidamente,
pensei que talvez eu pudesse estar fazendo parte de um programa de televisão,
quando eles pregariam uma peça em mim, com câmeras escondidas pela casa e, no
final, a banda inteira me surpreenderia no meu quarto. Mas aí vi minha mãe, que
apreensiva me seguia com os olhos. Levei meus pequenos dedos ao botão da TV e a
primeira cena que vi foi um saco preto pendurado em um helicóptero que
sobrevoava uma floresta. Naquela época, não havia toda a demagogia que existe
hoje e as câmeras filmavam quase tudo. O repórter também sem filtros me contava
que o avião tinha passado por uma pane inexplicável e caiu explodindo todo
mundo que estava dentro. Ele me dizia com toda a sinceridade que os corpos
tinham se espatifado pelas árvores e mal podiam ser reconhecidos. Do vocalista,
por exemplo, só restara o peito e o braço esquerdo. Enquanto eu ouvia, via as
cenas dos pedaços do avião pela selva e, eventualmente, alguma fantasia
embolada em uma árvore. E eu reconhecia aquelas roupas. Os Mamonas Assassinas
estavam realmente mortos.
O luto
durou muito mais do que qualquer medida de tempo plausível para uma garota de
onze anos. Eu não conseguia mais ouvir suas músicas, olhar para o CD, lembrar
da morte em si e sentir que não haveria mesmo jeito. Eu conhecia a dor do fim
irremediável, então. E, desesperada por não querer mais passar por isso, não
imaginava que essa seria apenas a primeira.
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