segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A diferença que faz

Eu era mais nova e sabia muito menos.
Sabia menos sobre o peso de um dia de trabalho, sobre o preço das coisas no mercado.
Eu não sabia que a vida é dura, mesmo que haja travesseiros, cobertores e abraços bastante confortáveis. E que o tempo pode variar entre lento e rápido unicamente por causa do seu próprio humor.

Eu era mais nova e ainda não sabia chorar calada.
Eu não sabia muitas coisas – contar o troco, mergulhar de cabeça, ver horas em relógio de ponteiro. Mas talvez, dentro de todas essas coisas que agora eu sei, chorar calada ainda seja a mais vantajosa. Assim, choro para dentro e não mancho a imagem sólida e forte que a gente tem que fazer para o lado de fora.

Eu era mais nova e achava que o Jornal Nacional era a coisa mais triste que o homem poderia fazer.
Porque quando eu era mais nova, achava que tudo aquilo que eles mostravam – a guerra do Golfo, os assassinatos, os desastres, eram feitos pelo próprio pessoal do Jornal Nacional. E que aqui fora, fora da televisão, ninguém fazia coisas tão atrozes.

Eu era mais nova e detestava livros sem figuras, ou com finais não-felizes.
Porque eu não sabia que essas páginas são as mais realistas e, na verdade, estão apenas nos acostumando para as páginas da vida real. - Que não têm figura alguma e, quando têm fim, acabam sem sequer dar tempo de a gente entender se foi final feliz ou não-feliz.

Eu era mais nova e não sabia que as pessoas podiam me machucar muito mais do que a Ludmila Magalhães que jogava areia no meu cabelo. Eu chorava e, naquela época, eu ainda não sabia que eu podia jogar areia de volta no cabelo da Ludmila Magalhães. Agora eu sei.

Eu não sabia que amor de mãe é o maior do mundo e então, não entendia que não deveria mesmo faltar aula, escrever nas paredes ou comer a sobremesa antes do jantar. E eu achava que as regras do mundo eram aquelas para sempre: eu brincava, minha mãe trabalhava, minha avó tricotava, sem sequer cogitar que, um dia, o tricô também chegaria até mim.

Ainda pequena, eu fingia que voava, fingia que não tinha medo do escuro, fingia que sabia falar esperanto. E como não sabia da Lei da Gravidade, da Gramática ou ser pragmática, tudo isso dava certo.

Eu não sabia de muita coisa e, por isso, sabia de muitas outras.
Fui trocando uma sabedoria pela outra – a minha, inventada, pela de todos os outros, convencionada – e então cresci.
Fica agora uma lembrança do bom de não saber com o melhor de inventar.

3 comentários:

Mariah disse...

Até que enfim!!!! Estava com saudade de seus textos. To com saudade de vc tb...a vida ta corrida e difícil mas quero te ver. Beijos

Anônimo disse...

Muito bom!

Rute Magalhães disse...

=) Finalmente um Blog interessante. Queria seguir você. Vou seguir você. Me visita um dia também: ervilhices.blogspot.com

Obrigada por bons momentos de leitura.

Rute